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UM ROMANCE DISPENSÁVEL: A PONTE PARA O SEMPRE, DE RICHARD BACH

Atualizado: 9 de mar.

Romance autobiográfico de Richard Bach, autor do best seller Fernão Capelo Gaivota.


Narrativa regular, com quase nenhum momento de tensão. O argumento por trás dos momentos de crise é sempre banal, o que impede a construção de um drama genuíno.


O ENREDO

A ponte para o sempre se inicia com o protagonista trabalhando como piloto, fazendo curtos vôos de entretenimento num pequeno avião em cidadezinhas do interior. Essa ocupação permite uma vida errante, livre de qualquer compromisso. Entretanto, ele busca sua alma gêmea, o grande amor.


Logo sua vida toma outro rumo. Ao telefonar para seu editor, ele descobre que está milionário por causa do estupendo sucesso de seu livro. Rico, ele deixa seu dinheiro com um administrador de bens e decide aproveitar a vida.


Ele leva então uma existência despreocupada, conhece várias mulheres, compra vários aviões, inclusive antigos caças, como um P 51 Mustang e um jato T 33. Mas sempre que estabelece contato com uma mulher, ele logo se pergunta se aquela é sua alma gêmea.


Um dia, em Los Angeles, tratando da adaptação para o cinema de seu livro mais famoso, ele esbarra em Leslie Parrish, famosa atriz hollywoodiana. Os dois estabelecem uma profunda amizade que evolui, lentamente, para um romance.


Inicialmente, Richard insiste em manter um “relacionamento aberto”, mantendo suas amantes. Essa situação gera uma crise. Leslie quer fidelidade, Richard teme perder sua liberdade. Esse é um dos pontos altos do livro, com foco nos dilemas do personagem principal.


Para aumentar a intensidade dramática, surge um novo grande problema. Os administradores dos bens de Richard Bach simplesmente perderam todo seu dinheiro e ainda deixaram de recolher impostos federais. Dessa forma, o escritor está com uma dívida de um milhão de dólares com o fisco.


Em meio à ameaça de prisão e à crise conjugal, Leslie Parrish toma a frente. Ela arranja advogados, contadores e inicia uma batalha judicial para resolver a situação fiscal de Richard. Isso tudo apesar da resistência do amante em assumir o relacionamento de forma definitiva.


Sem surpresa, o protagonista se rende ao compromisso com a amada. O casal começa, então, uma vida nova. Deixam Los Angeles e vão morar num trailer no deserto, ao lado de um aeroporto, onde passam o tempo treinando em planadores. Mas após tempestades de areia e um arrombamento do trailer eles decidem comprar uma casa.


O processo com a Receita Federal se arrasta e após várias tentativas de pagamento, perceberam, junto dos advogados, que a única saída seria decretar falência. Então eles vivem com o resto do dinheiro de Richard Bach, até que tudo se acabe.


A casa nova deles era bem pequena e ficava numa região de floresta. Logo, porém, eles recebem a notícia de que aquelas árvores seriam derrubadas.


Isso faz Leslie faz reviver seu espírito de luta social. No passado, ela tinha feito protestos contra a Guerra do Vietnã e pela igualdade racial, agora ela se torna uma ativista ambiental.

Os dois mergulham de cabeça nessa luta e durante quatro anos fazem uma cruzada jurídica contra derrubada da floresta e contra a Receita.


Quando vencem essas duas guerras jurídicas, eles se casam e se mudam para outra casa. Sem muito dinheiro, levam uma vida a dois com várias descobertas mútuas.


Após algum tempo, Richard elabora a tese da “ponte para o sempre”, o título do livro. De acordo com o personagem, é possível desenvolver o poder das viagens astrais de tal modo que não seria mais necessário morrer, podendo o indivíduo decidir um dia sair definitivamente de seu corpo.


Tal ideia se alia à tese inicial de “alma gêmea”. Assim, de acordo com o autor/personagem, as almas juntam-se através dos tempos; há porém a chance de não se encontrarem ou se desencontrarem em algumas encarnações. A “ponte para o sempre” resolveria então esse problema, podendo as almas gêmeas viverem juntas eternamente.


O livro termina com casal desenvolvendo suas viagens astrais e o protagonista palestrando sobre o assunto. Ele obtém sucesso e logo Leslie acaba por se tornar também palestrante.


Foto: Bibliocanto


SOBRE O AUTOR

Richard Bach é famoso por conta de seu Fernão Capelo Gaivota, um livro que influenciou uma geração. Seus outros livros são muito menos conhecidos, para falar a verdade só soube que existiam por causa do @Bastter, que menciona um ou outro de vez em quando.


Esse autor é geralmente classificado como de autoajuda. Acho que fica, ao menos cronologicamente, entre um Hermann Hesse (1877-1962) e um Paulo Coelho (1944-). Talvez haja alguma influência entre esses autores, inclusive em relação ao aspecto espiritual. Alguém poderia estudar isso um dia.

 

CRÍTICA

A ponte para o sempre apresenta como protagonista o próprio Richard Bach. É, então, um romance autobiográfico, como ele afirma no prefácio:


“O que se encontra nesse livro aconteceu de fato, quase da maneira como foi escrito. Tomei algumas liberdades com a cronologia, algumas pessoas no livro são compostas, a maioria dos nomes é fictícia. Mas eu não poderia inventar o resto, mesmo que tentasse; a verdade não seria bastante plausível se fosse ficção.” (p. 10)


O enredo tem seu foco no envolvimento de Richard Bach com a atriz Leslie Parrish, a quem o livro é dedicado. Então, como diz o subtítulo da edição brasileira, trata-se também de um: “romance de amor”.


Então, como esse é um romance de amor autobiográfico, era de se esperar uma autodescrição positiva do protagonista. No entanto, chama a atenção como o autor se autodescreveu de maneira tão negativa.


Logo de início, ele age de maneira infantil ao repetir o tempo todo que busca sua alma gêmea. “Ela estará aqui hoje” é a frase que inicia o romance e que ele repete incessantemente na primeira parte do livro. Algo que não se espera de um homem adulto.


Essa autodescrição negativa continua. Repentinamente, ele recebe mais de um milhão de dólares, resultado do sucesso de seu livro. Então ele decide deixar a fortuna nas mãos de um administrador. Você consegue imaginar coisa mais estúpida de se fazer?


Vamos dar um crédito e dizer que isso combina com o desejo de liberdade do personagem. Algo que depois vai resultar na resistência em assumir o casamento com Leslie Parish. Isso, porém, revela imaturidade, algo contraditório com o desejo inicial de encontrar a alma gêmea.


Talvez a intensão fosse colocar no meio da crise os sentimentos contraditórios de aceitação de um relacionamento sério, afinal, isso implicaria em abrir mão de uma certa liberdade. Mas a narrativa aí é frouxa, com as crises do protagonista perdendo, aparentemente, importância ou servindo apenas como desculpas fracas.


Em nenhum momento a renúncia à liberdade sexual é colocada em termos positivos, como em função de um ganho muito maior, uma família, algo cujo valor pode não ser percebido num primeiro momento. Pelo contrário, trata-se sempre de uma espécie de contabilização do que perder, a liberdade ou Leslie Parrish.


Esse seria o clímax do enredo, mas está longe de convencer. Afinal, um homem adulto que sonhava com a amada e que ao tê-la pensa em fugir em nome de uma pretensa liberdade é algo bem chinfrim; isso diminui o personagem.


Enquanto isso, Leslie sempre aparece como o personagem forte. Ela redime e salva. Seu papel, comparado ao de Richard Bach, é muito mais digno. Ela toma decisões, resolve as coisas e é decidida. Uma descrição em tudo muito mais positiva que a do protagonista.


Temos afinal um romance de amor, feito por um homem apaixonado. De qualquer forma, incomoda o autor se descrever dessa forma, assumindo posturas infantis, com argumentos fracos e ações tolas.


Para completar, o casal vive de uma maneira tão leve e despreocupada que se torna difícil um leitor um pouco mais exigente se identificar. Talvez o livro funcione como mera literatura de evasão, ou seja, um romance superficial de leitura simples e fácil, apenas um passatempo.


Esse, porém, não parecer ser o caso, o livro aparentemente propunha algo a mais.

 

INCURSÃO NA ESPIRITUALIDADE

O autor/protagonista afirma em mais de uma ocasião no enredo que é contra qualquer religião estruturada na sociedade. Para além disso, ele relata sua experiência de viagens astrais. O livro, assim, reflete algo de New Age, ou Nova Era, que se tornou moda nos anos 80 (o livro é de 1984).


O protagonista, desde o início, tem a experiência de sonhos profundos. Ele conhece a técnica de dormir profundamente em qualquer condição, algo que é treinado pelos militares norte-americanos (Richard Bach foi piloto da força aérea americana).


A prática de dormir e sonhar profundamente se soma, então, à sua teoria de vidas possíveis. A ideia do personagem é de que ao tomarmos uma decisão a alternativa deixada de lado começa a fazer parte de um universo paralelo, em que aquela foi a escolhida.


Assim, se você larga a namorada agora, em outro universo paralelo ao nosso, um outro eu seu mantém o relacionamento e isso se torna a realidade com seus desdobramentos naquele universo. Isso é parecido com o que hoje é popularmente chamado de multiverso.


Em vários momentos da narrativa, o personagem se pega conversando com esses outros eus que são resultado de decisões diferentes em momentos-chave da vida. Isso evolui para o conceito de viagem astral, que por sua vez resultará no conceito de ponte para o sempre, uma espécie de vida eterna espiritual e consciente.


O livro apresenta, assim, uma exótica concepção espiritualista e termina com o protagonista fazendo palestras.


É curioso que seja um romance de amor misturado com uma defesa de tese espiritualista exótica. Isso tudo com um personagem autobiográfico cheio de defeitos, como imaturidade (que ele supera), inocência (que mantém) e mesmo tolice (o que torna a conversa sobre viagem astral mais complicada).


Enfim, um livro frouxo por causa do personagem e com uma concepção espiritualista que acaba não convencendo.

 

POST SCRIPTUM

O casal Richard Bach e Leslie Parrish se divorciou em 1997, após vinte anos de casamento.

Um outro livro seu, One, é considerado a sequência desse. Mas não pretendo ler, no máximo faria a releitura do Fernão Capelo Gaivota, quase 40 anos depois da primeira leitura.


REFERÊNCIA:

BACH, Richard. A ponto para o sempre. Trad. LEMOS, A. B. Pinheiro. Rio de Janeiro: Record, S/d.


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