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DANIEL PENNAC, EM "COMO UM ROMANCE", DÁ PISTA DE COMO TORNAR OS FILHOS LEITORES.

Atualizado: 17 de fev.

SPOILER! A COISA COMEÇA BEM CEDO, QUANDO LEMOS PARA OS BEBÊS.


Os pais devem fazer algum tipo de reflexão sobre a leitura para uma experiência mais produtiva para a formação de seus filhos. Não existe fórmula mágica, mas esse livro pode ajudar.

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O que é esse livro?


Essa obra é um ensaio sobre a leitura, sobre a formação do leitor. Nela, o autor desenvolve uma espécie de bem humorada “sociologia” da leitura e para isso propõe que acompanhemos a trajetória de formação de um leitor hipotético.


É muito interessante o uso de elementos narrativos no texto, uma estratégia que funciona muito bem, nesse caso.


Assim, não temos aqui um romance nem um texto acadêmico, de técnicas e práticas de ensino de literatura. Porém, nesse livrinho há um pouquinho desses dois universos. Afinal, de um lado há até um personagem para acompanharmos e de outro há lições e dicas de como criarmos leitores.


Meio inclassificável, Como um romance é possivelmente o livro mais famoso de Daniel Pennac no Brasil. Inclusive é bastante comum ver por aí menções ao seu decálogo de direitos do leitor, mas há muito mais além disso.


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Assim “como num romance”

O ensaio, com elementos de narrativa, se inicia in medias res. O personagem é um adolescente em seu quarto às voltas com um livro. Seu sofrimento frente às páginas e linhas e palavras que lhe vão fugindo nos faz ir ao começo de tudo, quando ele era um bebê e os pais liam histórias de dormir.


O personagem bebê assume de maneira indelével o papel de filhinho ou filhinha sobre o qual os pais projetam seus nossos sonhos e desejos. Entre esses sonhos está o de vê-lo como um leitor competente, apaixonado pelos livros, até mais do que nós.


O autor sabe que esse é um desejo compartilhado inclusive por pais que nada leem.


Acompanhamos, então, as expectativas do início da alfabetização e as primeiras experiências de leitura individual de nosso personagem. Ao longo dessas páginas vamos nos pegar lembrando de nossos pais contadores de histórias.


É quase uma covardia do autor escolher um golpe tão baixo, usar nossas lembranças e emoções assim, para nos fazer ter uma compreensão mais completa do fenômeno da leitura.


Seguindo cada etapa dessa trajetória chegamos ao adolescente fechado em seu quarto com um livro nas mãos. Uma história de sucesso? Não, não, não. Pennac não faz uma história tão simples assim. Não é porque se trata de um ensaio que o enredo tinha de ser ruim.


Todos os dramas, contratempos e expectativas são apresentados pelo autor como num romance, guiados por um narrador onisciente intrometido, que explica as coisas.


Se esse livro fosse um romance esse narrador seria péssimo. Felizmente é um ensaio e tal narrador se sobrepõe, ganha todo o espaço possível e analisa, intrometidamente, pedagogicamente, os fenômenos envolvidos na formação do leitor.


O que é a leitura?

Em meio a essa mistura de narrativa com ensaio vamos entrar em contato com a perspectiva de Daniel Pennac sobre leitura, leitor e mais precisamente sobre a formação do leitor.


O autor vê a leitura em voz alta feita pelos pais para os pequenos lá na primeira infância como o momento primaz da aprendizagem dos mistérios da leitura:


“Resumindo, ensinamos tudo do livro a ele, naquele tempo em que ele não sabia ler” (p.18).


Central nessa aprendizagem é o fato de que o pequeno ouvinte (leitor, enquanto os pais leitores assumem o papel de livro) ganha onipresença em meio a todos os personagens que desfilavam pelas histórias. Estabelece-se assim a possibilidade da existência dos personagens da literatura:


“Sem ele, o mundo deles não existiria. Sem eles, ele continuaria preso na espessura do seu. Assim, ele descobriu a virtude paradoxal da leitura que é nos abstrair do mundo para lhe emprestar um sentido” (p.18).


Esta última sentença deveria ficar em itálico porque é uma tese central nessa obra: o mundo da leitura serve para nos abstrairmos do mundo real. Essa abstração, porém, para além de nos abastecer de forças para enfrentar o mundo real, ainda nos arma de sentido de existência para suportá-lo.


É nessa linha que, mais adiante, o autor diz, acerca da experiência de comunhão entre pais leitores e filhos ouvintes:


“Sem saber, descobríamos uma das funções essenciais do conto e, mais amplamente, da arte em geral, que é impor uma trégua ao combate entre os homens” (p.31).


E tudo começa quando lemos para os bebês


Para Daniel Pennac, a experiência de leitura na hora de dormir cria raízes profundas nos jovens. Isso é tão importante que mesmo aqueles que não leem, se tiverem passado pela experiência na infância poderão retomar o caminho:


“Ninguém se cura dessa metamorfose. Não se retorna ileso de uma viagem dessas. A toda leitura preside, mesmo que seja inibido, o prazer de ler; e, por sua natureza mesma – essa fruição de alquimista -, o prazer de ler não teme imagem, mesmo televisual e mesmo sob a forma de avalanches cotidianas” (p.39).


A conclusão é de que a escola não é, definitivamente, o lugar para a formação do leitor. O desejo de convivência com o texto escrito e com os livros depende da experiência em casa, passando pela oralidade, pelo ouvir histórias.


Pennac fala isso pensando no contexto educacional francês, no Brasil as coisas são ainda mais dramáticas.


A liberdade de ler

Daniel Pennac sabe que não se “aprende” literatura. Ele (e nós, é claro) sabe que não são as perguntas, os questionários, os textos de interpretação que formarão um leitor. Afinal, não se pode aprender a gostar de algo sendo forçado a isso.


A experiência de leitura tampouco é controlável. Haverá períodos de menor desejo de se ler, haverá épocas em que os livros serão nossos melhores companheiros. Mas no final, muitos de nós teremos neles colegas esporádicos.


Haverá livros que amaremos profundamente, outros que detestaremos, outros que serão sempre uma incógnita... enfim, como todo ato subjetivo, pessoal, a leitura não obedece a roteiros pré-definidos. Aliás, é sobre essa perspectiva que o autor propõe os Direitos do Leitor.


Nós, pais, professores e amigos (por que não?) podemos oferecer o caminho, deixar a porta aberta para esse universo. Nossos filhos, alunos e amigos poderão adentrar por essa porta, aproveitar esse universo, mas não conseguiremos fazê-los amar a leitura se os forçarmos. Ninguém pode ser obrigado a amar.


Pennac faz-nos, fatalmente, refletirmos sobre nossa própria experiência


Particularmente, Como um romance me fez refletir sobre minha experiência com a leitura para meus filhos. Na época em que eles eram pequeninos eu ainda não conhecia esse livro, mas ao lê-lo foi impossível não rever toda a experiência que tive.


Voltou aquela sensação de não saber se fiz certo, mas certamente apenas a tentativa já foi um passo e tanto.


Talvez a consequência mais importante dessa leitura foi fazer com que eu voltasse a ler com mais vontade. Eu devia estar precisando de um texto assim que revela tamanha paixão pelas boas histórias sem ser pernóstico.


Você vai se surpreender com esse livro


Sugiro veementemente a leitura aos pais, aos apaixonados por literatura, aos que ainda precisam descobri-la e especialmente àqueles que já leram mais, mas andam um pouco apáticos com os livros. Afinal todos nós precisamos de literatura.


Merece nota ainda a tradução. Leny Werneck fez um belo trabalho, deixando o texto próximo do leitor brasileiro. Ela supera algumas barreiras impostas pelo estilo do autor, que mistura elementos eruditos, expressões populares e termos muito contextualizados ao ambiente escolar francês.


Depois de ler compartilhe sua experiência. Faz parte do ato de ler compartilhar, se for por escrito melhor ainda, pois vai treinar uma reflexão mais profunda.


Se você já conhece esse livro e sugere, mande suas impressões aqui. E se for ler agora, lembre-se de depois dar sua opinião para que mais gente possa ampliar suas leituras.


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Referência:

PENNAC, Daniel. Como um romance. Trad.: WERNECK, Leny. Porto Alegre/Rio de Janeiro: L&PM/Rocco, 2011.


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DISCLAIMER:

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As menções a obras são espontâneas e não constituem indicação de compra.

Esse material foi redigido por um humano, sem uso de inteligência artificial.

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