A VIDA INTELECTUAL, POR A.-D. SERTILLANGES
- Ribas Carneiro
- 1 de mar.
- 4 min de leitura
A vida intelectual, de Sertillanges, é imprescindível para quem tem como projeto uma vida intelectual.
APEGO À VERDADE
Em A vida intelectual, Sertillanges parte de alguns princípios que são fundamentais, mas que, infelizmente, são muitas vezes negligenciados. Talvez o principal, a base de tudo, seja o apego à verdade.
Todo intelectual que se preze deve ter profundo amor e admiração pela verdade. Justamente por isso, ele deve se manter alerta em relação às teorias falsas, aos relativismos.
Nesse ponto, é claro, o autor entende a verdade como um valor absoluto, ao contrário do que se encontra por aí, no varejo das ideias, em que tudo é relativo.
Assim, o verdadeiro intelectual deve ter sim apego aos valores absolutos em sua vida de investigação. Para tanto, ele precisa pôr em dúvida até suas suposições iniciais, pois é imperativo apegar-se ao fundamental, que é o dado da realidade.
Viver para a verdade é viver, de acordo com o autor, para Deus (e aqui devemos lembrar da afirmação da Bíblia: Deus é a verdade e a vida). Assim, o verdadeiro intelectual busca a verdade, e isso o torna um servo de Deus ou, nas palavras de Sertillanges, um consagrado.
HUMILDADE
O autor destaca, ainda, a humildade necessária ao intelectual. Sim, ao contrário do que costumamos ver por aí entre “os entendidos”, o verdadeiro intelectual está longe de ser um pavão.
Ele trabalha em silêncio, na sua escrivaninha, lendo e escrevendo, investigando, questionando, convivendo com grandes pensadores dentro de sua biblioteca. Não vive para os holofotes e não busca, não nessa vida, a recompensa em forma de fama ou dinheiro.

APLICAÇÕES PRÁTICAS
O livro tem uma abordagem bem prática, voltada, entre outras coisas, para a organização do espaço de trabalho, os métodos de anotação e organização de ficheiros até a distribuição de tempo para o repouso e relaxamento.
Um dos pontos mais importantes que Sertillanges demonstra nessa obra é a necessidade de se planejar as leituras. Para ele, de nada adianta se intoxicar de tanta leitura apenas para “posar” de intelectual. Esse comportamento não ajuda a relacionar de forma organizada as leituras, gerando desperdício de energia.
De acordo com Sertillanges, a forma produtiva de ler é definir um roteiro de leituras. Deve-se determinar um tema, um objeto de estudo, e aplicar-se com afinco a ele.
Isso não exclui outras leituras. O autor sabe que há necessidade de conhecimentos mais genéricos, além da necessidade de literatura. Mas Sertillanges alerta que essas leituras devem ser feitas nos momentos de lazer, pois o trabalho intelectual exige muito rigor e disciplina e o tempo não deve ser desperdiçado.
Não se deve, portanto, desperdiçar tempo com leituras menores. Por outro lado, há livros que devem ser lidos mais de uma vez.
Afinal, a convivência com alguns poucos autores, grandes espíritos da natureza humana, é infinitamente mais importante que a dispersão de forças e tempo em leituras de meros repetidores ou falseadores de conceitos.
Em outras palavras: gaste seu tempo com os grandes autores de todos os tempos. Isso vale para praticamente todos os campos do conhecimento, inclusive a literatura. Não perca seu tempo, busque sempre as maiores referências.
Para simplificar, podemos dizer que o processo apresentado pelo autor pode ser descrito assim:
1) determine a área que deseja estudar;
2) parta do geral e avance em direção ao específico, traçando um roteiro de aprendizagem definindo as obras a serem lidas;
3) desenvolva para cada livro lido uma ficha bem organizada;
4) produza um material como resultado desse processo.
IMPRESSÕES DE LEITURA
Reli esse livro para garantir que poderia indicar essa edição para meus alunos. No entanto, ao perceber o nível da discussão e o vocabulário utilizado pela obra, comecei a ficar inseguro.
Acho que essa é uma obra que eu poderia indicar para meus ex-alunos, mas apenas para aqueles que já foram mais longe, que têm vocabulário e horizontes intelectuais mais amplos.
Trata-se de um livro importante para todos os que querem ter uma vida intelectual verdadeira. Vai ser útil para os que já sabem alguma coisa. Seria muito mais útil para os que estão perdidos pelo caminho. Mas para esses seria um desafio maior.
Quem sabe alguém aceita o desafio?
Em princípio, para os muito iniciantes e para queles que têm uma necessidade urgente de se organizar nos estudos, o melhor caminho talvez seja mesmo livro de Mira Y Lopez. Fiz a menção a este livro de Sertillanges e ao de Mira y Lopez, pensando sempre em quem deseja cultivar uma vida intelectual, em outro post.
SOBRE A EDIÇÃO BRASILEIRA
A tradução brasileira está muito boa. Bem cuidada, bem revisada, competente mesmo. Parabéns à editora.
Fazia muito tempo que essa obra estava esgotada, e assim a lacuna foi preenchida. A mais recente edição mereceu uma interessante resenha no Youtube, do crítico Rodrigo Gurgel.
REFERÊNCIA:
SERTILLANGES, A. –D. A vida intelectual – Seu espírito, suas condições e seus métodos. Trad. MALLET, Roberto. Campinas: Kírion: 2019.
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