HISTÓRIA DA LEITURA ANTES DOS LIVROS
- Ribas Carneiro
- 7 de jun.
- 3 min de leitura
Como era ler e estudar na Idade Média, antes da invenção da imprensa e da difusão dos livros?

Virgílio ao lado de baú de pergaminhos. Manuscrito século v-vi d.C. Folio 3v Biblioteca Apostólica do Vaticano.
HISTÓRIA DA LEITURA NA IDADE MÉDIA
A vida intelectual se desenvolveu praticamente toda oralmente até a Idade Moderna. De modo geral, a voz estava no centro da cultura. A escrita servia como mero suporte.
Na Idade Média, nos monastérios da Europa, cantarolava-se, a sós ou em grupo, fórmulas que condensavam a ciência, a arte e a filosofia.
Há inclusive manuscritos contendo extratos de Horácio e Virgílio com notação musical, de modo a facilitar a memorização.
Os estudiosos decoravam trechos rimados e poéticos para conservar as ideias dos antigos in arca pectoris, no tabernáculo do coração, na tradução do latim para o português.
Os autores, por sua vez, ditavam ou recitavam seus textos, que eram registrados por um escriba.

Representação de São Gregório no Antifonário de Hartker, de Sant Galen, Alemanha. Fonte.
No fim do século XII, surgiu uma gramática versificada que se tornou um manual largamente utilizado, o Memoriale, de Alexandre de Villedieu.
O professor normalmente decorava esse manual e o recitava para seus alunos em sala. Estes guardavam então o manual in pectoris, no peito, ou no coração, de cor.

Página do Doctrinalle puerorum, de Alexandre de Villedieu. Fonte.
Não havia muita disponibilidade de papel, pergaminhos ou outros suportes para a escrita. Assim, se houvesse necessidade de algo para ajudar a memória, usava-se a tabula cerata. Tratava-se de uma tabuinha encerada na qual se gravava a anotação com a ajuda de um estilete.
Depois de decorar o trecho, bastava encerar novamente a tabuinha para a próxima anotação.

Reprodução moderna de uma tabula cerata e do estilete utilizado para anotações.
Em tal contexto, o conhecimento, tanto de professores quanto de alunos, era medido pela quantidade de “textos” que se sabia de “memória” e se podia recitar.
Alguns estudiosos conseguiam, às vezes, decorar muitos textos. Isso era possível graças ao uso diligente de várias técnicas de memorização (mnemônicas) que envolviam ritmo, rima e até notações musicais.
Outra vantagem de se memorizar um texto era poder utilizar o pergaminho para anotar outra obra. Bastava raspar a tinta da escrita anterior que a o suporte estava pronto para receber novo texto.
Esses materiais reutilizados eram chamados palimpsestos (palavra de origem grega que originalmente significava “aquilo que se raspa para escrever de novo”). Mais tarde, esses materiais se revelaram preciosa fonte de textos antigos, pois é possível, a partir de algumas técnicas modernas, revelar o que estava escrito embaixo dos textos mais novos.

Palimpsesto, Codex Ephraemi Rescriptus, no qual se pode ver as escritas sobrepostas. Fonte.
REFERÊNCIA
Se você tem interesse pela história da leitura e pela vida intelectual da Idade Média, você deve ler esse que é um dos mais interessantes estudos sobre a vida intelectual na Idade Média:
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Olá, professor! Obrigado por compartilhar!Ótimo texto sobre a "História da leitura antes do livro". Gostei da dica de leitura também. (Aliás, comprei o " Aprender a estudar" do López para dar dicas ao meus alunos).O "Inscrever e apagar: Cultura escrita e literatura (séculos XI-XVIII)", do Roger Chartier" também seria uma leitura interessante para complementar a dica do livro do Zumthor. Nele, Chartier fala tanto das tabuleta de cera para a escrita quanto do palimpsesto. Abraço!