Bibliocanto Volume XIV
- Ribas Carneiro
- 27 de jun. de 2023
- 7 min de leitura
Olá pessoal!
Esse é um de meus autores favoritos, cujo poema, Each and all, traz esse trechinho precioso.
(...) "All are needed by each one;
Nothing is fair or good alone." (...)
Ralph Waldo Emerson

Ralph Waldo Emerson (1803-1882).
RALPH WALDO EMERSON
Se algum dia você tropeçar no nome de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), pare e preste atenção. Ele é um dos grandes pensadores com os quais você poderá debater. Pela natureza um tanto eloquente de seus escritos e por tratar de temas muito próximos da vida das pessoas com uma visão de mundo positiva, humanista e ética ele é ótimo para quem quer se iniciar na filosofia.
Emerson produziu uma obra poética das mais interessantes, mas ficou realmente famoso por seus ensaios. Neles, o autor desenvolveu seu pensamento, classificado como transcendentalismo, termo para autores da época que viam a espiritualidade e a intuição como formas de conhecimento que transcendiam a razão.
De qualquer forma, tentar classificar esse autor é ainda diminui-lo, suas ideias vão muito além; a abrangência e alcance de sua obra torna difícil abarcá-la num só adjetivo. Emerson tratou de assuntos diversos e se aprofundou em temas como a religião, a natureza e a própria filosofia.
Não é possível dar conta da filosofia de Ralph Waldo Emerson em poucas linhas. Por outro lado, mesmo sua abordagem de temáticas específicas permite divisar algumas das constantes de seu pensamento, como em suas reflexões sobre a história.
HISTÓRIA POR EMERSON
Em seu ensaio History, Emerson parte do princípio de que toda criação humana está relacionada, todos podem acessar o pensamento do próximo a partir de uma profunda experiência intelectual com sua obra. Assim, há uma espécie de “mente comum” acessível a todos nós indiscriminadamente.
“O que Platão pensou, qualquer um pode pensar, o que um santo sentiu, qualquer um pode sentir. Tudo o que alguma vez sucedeu a algum homem, ele pode entender. Ao mesmo tempo, esse sujeito que acessou essa mente universal torna-se, ele mesmo, parte dela, um agente soberano dela” (essa tradução e todas as demais aqui são minhas).
Para o autor, o pensamento pré-existe a toda ação, logo, todos os fatos da história pré-existiram nessa “mente comum”. Esses pensamentos pré-existentes, que podemos chamar aqui livremente de “ideias”, seriam como leis primordiais a determinarem a ação. Pensamos, depois agimos. Nossas ideias, por sua vez, são resultado de um caldo de cultura anterior a nós, uma mente universal.
Num dado momento histórico, por conta das circunstâncias, uma certa ideia se torna predominante e determina a ação numa série histórica. Ou seja, um pensamento, ou um conjunto de pensamentos, que prevalece numa época determina a ação das pessoas naquele momento histórico.
Justamente por isso, segundo Emerson, na história não há nada fora da compreensão humana. Cabe a nós registrá-la e depois explorar esse registro da “mente comum”. Dessa forma podemos nos tornar também agentes da história.

Ralph Waldo Emerson (1803-1882).
O INDIVIDUALISMO E A HISTÓRIA
“A mente comum escreveu e deve ler a história. Se toda a história está em um homem, tudo pode ser explicado a partir da experiência individual. Cada fato novo na experiência individual ilumina o que grandes massas fizeram, e a crise individual indica o que as massas fizeram. Toda revolução foi antes o pensamento de um indivíduo e quando o mesmo pensamento ocorre a outro homem essa é a chave para aquela era. Toda reforma foi a opinião privada de alguém, e quando se torna opinião privada novamente, isso resolverá o problema de uma era.”
As teorias que predominam hoje vêm os grandes movimentos sociais e econômicos como os grandes propulsores da história. Para Ralph Waldo Emerson, porém, é o indivíduo, a ideia individual que ganha corpo e as ruas.
O pensamento um dia elaborado por um indivíduo pode ter se tornado uma ideia corrente e popular e então gerar uma movimentação de grandes proporções, até uma revolução. Ao fim do ciclo, essa mesma ideia deixa de ser partilhada pelas grandes massas e se torna objeto de estudo de um círculo restrito, virou história.
Emerson afirma que antes de existir uma Basílica de São Pedro ela foi pensada por seus arquitetos. Da mesma forma uma Catedral de Notre Dame, reinos, impérios, uma obra literária, qualquer coisa que se relacione com nossa humanidade, foi pensada antes de virar ação.
A história é o registro dessas ideias que em seu conjunto formam aquela “mente comum”. Mais interessante ainda, cada um de nós acessa essa história de maneira individual, por isso temos de ser ativos intelectualmente e assimilar cada lição dando a ela uma concepção subjetiva, pessoal.
ESTUDAR HISTÓRIA ATIVAMENTE
Para Emerson, ao lermos um fato narrado num livro de história, temos de buscar uma compreensão subjetiva superior, devemos trazer os personagens e as imagens narradas para um certo nível de realidade em nossa experiência interior.
Se pudermos experimentar em certa medida o poder e a depravação de indivíduos históricos, como um César Borgia ou um Lampião, por exemplo, isso colocará nosso pensamento em perspectiva. Essa seria uma experiência simpática (de tentativa de compreensão do ponto de vista do outro) em que podemos ver nossos próprios vícios em pessoas distantes sem experimentá-los, sem decair.
Assim, deveríamos ler a história de modo ativo e nunca passivo, ou seja, tê-la sempre em perspectiva em relação às nossas próprias vidas. A realidade que vivemos é, de certa forma, a chave para a compreensão do passado. Mas também, as ideais do passado podem iluminar as decisões do presente.
“O mundo existe para a formação de cada homem. Não há era ou sociedade ou modo de ação na história que não tenha um correspondente na sua vida.”
Um indivíduo, de acordo com Emerson, deveria ter consciência de que toda a história vive em sua pessoa. Ele não deve se sentir inferior a qualquer rei ou imperador quando entra em contato com a história. Pelo contrário, ao visitar essa “mente comum”, no próprio indivíduo estarão a genialidade e o princípio criativo de cada era.
Nesse sentido, o conhecimento histórico permite uma enriquecedora experiência pessoal, em que, simpaticamente, o estudioso pode se colocar nas situações do passado aprendendo e refletindo sobre soluções para seu dia a dia.
IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA
Emerson destaca que ao lermos, involuntariamente o fazemos como seres superiores. Por conta desse mecanismo nos identificarmos com os heróis das histórias; assim, ao ler uma narrativa histórica (um livro de história propriamente dito ou um bom romance histórico) vamos nos identificar com os grandes homens, os grandes feitos, os grandes eventos como se nós mesmos estivéssemos sendo partícipes, recebendo toda a glória daquele momento.
Nesse sentido, podemos perceber a grande importância das biografias, um gênero criado com os textos hagiográficos ou de vidas dos santos. Com as biografias de homens ilustres podemos como que multiplicar nossa experiência de vida de uma forma simpática, pondo-nos no lugar daquela outra pessoa.
Cabe a quem estuda história fazer associações entre os fatos históricos e os dados da realidade que o cerca. Essas relações são diferentes em cada indivíduo. Num sentido mais profundo, deve haver identificação entre o objeto estudado e o estudioso, numa ação imagética.
Emerson menciona o exemplo do um pintor que afirmava que para pintar uma árvore seria necessário tornar-se em parte árvore. Assim, para estudarmos os vikings devemos nos tornar em parte vikings.
Ora, qual é principal meio para treinarmos essa prática imagética? A literatura.
Emerson reconhece que o leitor desenvolve essa experiência particular com a literatura. Mais relevante ainda, é fundamental entrar em contato com a produção literária de valor universal. Para o autor, as peças do teatro grego antigo são as obras que melhor revelam essa universalidade.
Há um sentido claro aqui: a “mente universal” está registrada na história, da qual todos nós participamos. Algumas obras, porém, revelam de forma mais elevada essa natureza universal, a elas ganham assim maior valor.
Da mesma forma, todas as pessoas carregam em si um valor universal. Há, porém, aqueles indivíduos que superam a média e revelam uma particular natureza universal, um Goethe, um São Tomás de Aquino, um Manuel Bandeira. Justamente esse valor universal explica a razão de se proteger a vida de forma especial.
O valor do indivíduo é inviolável (e mais ainda o dos indivíduos superiores) e todas as leis derivam então dessa razão máxima. Para Emerson, as estruturas sociais expressam de uma forma mais ou menos distinta algum comando dessa suprema, ilimitada essência. É pelo valor do indivíduo e pela defesa da individualidade que buscamos a educação, a justiça, a caridade, é ali que reside a base da caridade e do amor, do heroísmo e da grandeza.
Em seu ensaio sobre a história, assim como em outras de suas obras, Ralph Waldo Emerson toca alguns dos conceitos mais relevantes de seu pensamento, principalmente do valor do indivíduo, sempre elevado, que precisa ser reforçado por cada um de nós. Para ele, nós somos, sim, parte da história da humanidade e temos um lugar nela, cabe-nos agora desempenharmos adequadamente nosso papel, revelando todo o nosso valor.
SERVIÇO
Ralph Waldo Emerson é um autor bastante popular. Há vários materiais sobre ele, muitas diferentes edições de sua obra, e vídeos interessantes.
Para escrever este texto eu li uma edição antiga, encontrada num sebo há muitos anos:
EMERSON, Ralph Waldo. The Works of Ralph Waldo Emerson in One Volume. Roslyn Black’s Reader Service Company, S/D.
Entre os vídeos mais interessantes sobre Emerson sugiro um do professor Gurgel.
QUESTÃO DA SEMANA
Semana passada perguntei como você via a questão da apropriação cultural.
Creio que ficou claro, com a abordagem sobre a evolução da espécie Homo sapiens em relação a outras que esse é um traço fundamental para nossa sobrevivência.
Polemizar sobre essa questão é agregar elementos estranhos a uma discussão de ordem intrinsecamente cultural.
QUESTÃO PARA A SEMANA
Este Bibliocanto abordou um aspecto bem pequeno dentro da obra de um gigante. É claro que há ainda muita coisa em se tratando do pensamento de Ralph Waldo Emerson ou do transcendentalismo ou ainda dos primeiros autores da filosofia norte-americana.
Por isso, sinta-se à vontade para enviar um e-mail com dúvidas, sugestões, complementos. Podemos sim debater por aqui.
DISCLAIMER Esse post é uma produção independente, sem patrocínio de qualquer natureza. As menções a obras são espontâneas e não constituem indicação de compra.




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