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Bibliocanto Volume XXIII

Olá!

Você gosta de romance policial?

Se gosta, então esse Bibliocanto é para você. Se não gosta ou não conhece, ainda assim vai querer saber como se estruturam essas obras, até para poder falar mal.

O ROMANCE POLICIAL DE ENIGMA OU CLÁSSICO

Dá-se o nome de romance policial de enigma ou romance policial clássico àqueles primeiros livros do gênero romance policial.

A literatura policial se iniciou com Edgar Allan Poe (1809-1849), quando ele publicou “Os assassinatos da Rua Morgue”, “O mistério de Marie Rogêt” e “A carta roubada”. Nesses contos havia um detetive, Dupin, que desvendava os mistérios pelo método analítico. Dupin reconstruía a cena do crime, as motivações e os passos dados pelos criminosos, apenas por meio de pistas e raciocínio lógico.

Mais tarde, Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) criaria Sherlock Holmes. Trata-se de um detetive clássico que também usa o método analítico para desvendar enigmas complexos. Seu sucesso é inegável, e até hoje é uma referência em termos de literatura policial.

Na mesma esteira temos os romances e contos policiais de Agatha Christie (1890-1976). Ela criou detetives famosos, como Hercule Poirot e Miss Marple, entre outros investigadores interessantes. Todos eles usam o mesmo método analítico.

Edgar Allan Poe (1809-1849). Um dos maiores escritores norte-americanos e considerado o criador do moderno romance policial.


CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE POLICIAL DE ENIGMA

O romance de enigma está baseado em um crime que é elucidado a partir da investigação analítica dos fatos. Os enredos desse tipo de romance são muito semelhantes, com basicamente os mesmos motivos literários. É claro que os autores acabam fazendo muitas combinações diferentes, mas de modo geral eles mantêm o esquema básico. Vejamos como ele é.

Primeiro ocorre um crime, geralmente um assassinato, às vezes um roubo. O criminoso tem de estar por perto, seja por limitação de espaço (trem em movimento, navio, ilha) ou por querer acompanhar as investigações e atrapalhá-las, se possível.

Surge então o detetive, a convite ou por acaso — por ser um dos convidados de uma situação social, morar por perto etc. Iniciam-se as investigações (tempo de inquérito). Os personagens são apresentados dentro de sua ordem social (criados, anfitriões, convidados, amigos, vizinhos etc.) e em situações sociais (festa, encontro familiar ou de negócios, viagem etc.).

Todos os personagens, inclusive o detetive, por uma razão ou outra, encontram-se em um espaço limitado (mansão, trem, navio, casa de campo, ilha, cidadezinha etc.). Às vezes, todos ficam confinados (sem contato com o mundo exterior) e, então, alguém começa a investigar para salvar-se do perigo iminente.

O detetive, dentro do inquérito, contata possíveis testemunhas, investiga indícios e pistas, visita o local do crime etc. Ele tenta reconstruir o passado por meio de pistas ou depoimentos, faz uma investigação analítica recompondo o espaço e a ação do fato passado no presente. As suspeitas são levantadas contra várias pessoas, mas se revelam infundadas na cena de reconhecimento do culpado, sobrando apenas o criminoso, que, apontado pela prova cabal, é revelado no final. Às vezes, numa espécie de apêndice, revela-se como o detetive encontrou a prova decisiva, ou o próprio assassino confessa sua culpa.

Esses são alguns dos momentos básicos dos enredos do romance policial de enigma ou clássico. É claro que há muitas variações dentro desse gênero, as combinações possíveis são praticamente infinitas, mas, vale repetir, esse é um esquema geral e pelo menos uma quantidade razoável de elementos se repetem entre um e outro romance.

O ESPAÇO DO ROMANCE POLICIAL DE ENIGMA

O espaço da narrativa tem grande importância no romance de enigma. Trata-se, normalmente, de um espaço limitado e, de certa forma, isolado do mundo real. Esse é um dado puramente técnico (e formal), pois um espaço limitado é a garantia de que o assassino ou criminoso se encontra entre os personagens.

Mesmo quando um dos suspeitos foge ou desaparece, descobre-se que ele esteve por perto o tempo todo. Só dessa forma o enredo se sustenta, porque esse tipo de romance prevê a solução do crime e a certeza de que o criminoso vai pagar por seus atos.

Esse espaço é normalmente habitado por pessoas de classe alta, uma burguesia com ares até certo ponto nobres. Essa classe social é aquela que se extinguiu com o advento da Primeira Guerra Mundial, uma sociedade rica, diletante, vitoriana em sua essência. Eles se estarrecem não pelo fato de haver ocorrido um crime ou a morte de uma pessoa, mas principalmente por um dos elementos de sua classe ser um assassino.

Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), o criador do personagem Sherlock Holmes. Retrato por Sidney Paget, 1897.


O TEMPO NO ROMANCE DE ENIGMA

De acordo com o teórico Tzvetan Todorovo, dentro do romance de enigma há, na verdade, duas histórias. A primeira é a do crime, quando há sua descrição e a apresentação de alguns dos personagens. Ela é geralmente muito curta e acaba quando começa a segunda, que é a do inquérito. É justamente ao longo do inquérito que se desenrola a maior parte do enredo do romance.

No romance policial, a vida cotidiana interrompida pelo crime é restabelecida com sua elucidação. O tempo da investigação é então um período em suspensão. Nele se abre um novo plano espacial, o da vida privada.

Esse é o momento especial em que os personagens estão à mercê de terem suas vidas devassadas. O detetive (ser público conhecido de todos, como Dupin, Holmes e Poirot) entra na esfera dos espaços fechados da vida privada e familiar. Assim, na investigação sobre o crime outras revelações, mais íntimas, surgem.

Essas revelações íntimas, às vezes até um passado negro, diferenciam-se, no entanto, do mal maior que é o crime. Nesse tempo de suspensão todos estão entregues a um único objetivo, elucidar o crime, o enigma. Naqueles romances em que outros crimes acontecem em meio às investigações, a densidade dessa suspensão temporal aumenta pois se conta com um suspeito a menos.

O local de interseção do espaço e do tempo no romance de enigma é a sala de visitas. Ali, muitas vezes acontece o crime, têm lugar as investigações in loco, os depoimentos das testemunhas e os diálogos sobre o andamento das investigações. Ali também é onde usualmente se dá a cena da “revelação” ou “reconhecimento” do culpado. Esse ainda é o local onda há a junção entre o que é público e privado.

Se a rua é o espaço público por excelência, o quarto é o da vida privada e, num meio-termo desafiador, fica a sala de visitas, que permite a simbiose dos dois elementos. É nesse espaço que o herói público, o detetive, encontra as condições ideais de investigação. Mas a vida privada é fechada por natureza, e a entrada do ser público nesse espaço só é possível em condições muito especiais, como o crime e o estabelecimento da investigação.

Agatha Christie (1890-1976), a "Rainha do Crime" publicou 86 títulos, um para cada ano de vida.


ESTRUTURA DO ROMANCE POLICIAL E A LITERATURA DE MASSA

Os romances policiais são normalmente classificados como literatura de massa. Assim, são obras populares de consumo rápido. Nisso ela difere da “grande literatura”, que busca sempre a originalidade em relação a seu gênero.

Os romances policiais e demais literatura de massa buscam se adequar a um modelo previsível. Como afirmou Tzvetan Todorov:

A obra-prima habitual não entra em nenhum gênero senão o seu próprio; mas a obra-prima da literatura de massa é precisamente o livro que melhor se inscreve no seu gênero. O romance policial tem suas normas; fazer “melhor” do que elas pedem é ao mesmo tempo fazer “pior”: quem quer “embelezar” o romance policial faz literatura, não romance policial. (TODOROV, 1970, p. 95).

Assim, o leitor que busca o romance de enigma quer se envolver com a investigação, com a solução do enigma. Ele vai se decepcionar com qualquer coisa que fuja disso.

A estrutura de espaço e tempo dessas narrativas são parte importante daquilo que está dentro das expectativas do leitor. É interessante notar como o sucesso dos autores de romances policiais é resultado de seu apego ao formato.

REFERÊNCIAS:

TODOROV, Tzvetan. Tipologia do romance policial. In: _____. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970.


LEMBRE-SE: conhecimento bom é conhecimento compartilhado. Se você gostou desse conteúdo mande para quem pode se interessar pelo assunto.


DISCLAIMER Essa é uma produção independente, sem patrocínio de qualquer natureza. As menções a obras são espontâneas e não constituem indicação de compra.

 
 
 

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