Bibliocanto Volume XXII
- Ribas Carneiro
- 25 de ago. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 16 de set. de 2023
Há 35 mil anos a Homo sapiens era finalmente a espécie hominídea dominante. Ainda havia pequenas populações de neandertais na Península Ibérica e alguns grupos miscigenados (cruzamentos entre nossa espécie e outros hominídeos).
Naquele momento, apesar de várias dificuldades, despertavam para estágios superiores a arte, a linguagem e a organização social. Como foi aquele começo?
O Mundo Há 35 Mil Anos
O planeta Terra era bem mais frio naquela época, pois atravessava o último Máximo Glacial, com temperaturas em média 4 a 6 graus mais baixas que as atuais. Boa parte da Europa e do norte asiático estavam cobertos por gelo perene.
Nessa era do gelo predominava a megafauna, com seus mastodontes, mamutes, bisões e preguiças gigantes. Leões, hienas, tigres-dente-de-sabre e ursos muito maiores que os atuais eram encontrados na Europa e em grande parte da Ásia.
O nível das águas dos oceanos era mais baixo por conta do imenso acúmulo de gelo nos polos. Dessa forma, regiões como os territórios das atuais Indonésia e Austrália eram mais facilmente alcançáveis.
Já fazia muito tempo que nossa espécie havia ultrapassado os limites da África. Naquela época, o Homo sapiens já habitava todos os cantos da terra, inclusive a Austrália. A única exceção eram as Américas, ainda sem qualquer presença humana.

Caçada ao Gliptodonte, por Heinrich Harder (1858-1935), 1920.
Herdeiros Das Antigas Espécies Hominídeas
Os ancestrais hominídeos, como Homo erectus, Homo habilis e Heildelbergensis já estavam extintos há milhares de anos. Subsistiam grupos miscigenados e os últimos grupos de Neandertais.
Apesar de extintos, sua herança cultural e genética dos antigos hominídeos estava muito presente. Desde o Homo erectus a linguagem vinha vagarosamente se desenvolvendo. Também as habilidades relativas à produção de ferramentas de pedra lascada, à construção de abrigos, à técnica de caça e à produção e ao controle do fogo tinham sido herdadas por nossa espécie.
Durante mais de 100 mil anos, nossos ancestrais conviveram com as demais espécies hominídeas. Durante esse período a evolução foi muito lenta, tão lenta que é até difícil se falar em evolução.
A partir de certa altura, porém, começam a surgir testemunhos de um salto cultural, que também foi lento, mas muito menos que o estágio anterior.
O Paleolítico Superior
O conjunto de inovações que podem ser observadas nos sítios arqueológicos revelam que entre cerca de 40 mil e 30 mil anos atrás houve um salto cultural fundamental para a história da humanidade.
Essa evolução é tão marcante que recebeu inclusive a denominação de Paleolítico Superior, em oposição ao período anterior em que predominavam técnicas desenvolvidas desde o Homo erectus.
Sim, ainda eram utilizados instrumentos de pedra lascada, mas os métodos de produção evoluem. Inclusive, pode-se observar diferenças de métodos de confecção entre os diversos grupos espalhados pelo mundo.
Nas escavações relativas a essa época são encontrados uma maior abundância de vestígios de ferramentas de madeira e principalmente osso. Há também uma maior variedade de instrumentos.
Além das inovações técnicas, há evidências de trocas culturais entre diferentes grupos étnicos. Tais trocas resultaram em apropriações culturais que disseminaram conhecimento de uma forma totalmente nova. Isso garantiu a sobrevivência da espécie em meio a um ambiente duríssimo.

Essa é a possivelmente a mais antiga pintura figurativa; com cerca de 45 mil anos, foi encontrada numa caverna da ilha de Sulawesi, na Indonésia.
A Arte e a Cultura do Paleolítico Superior
Recentemente foi revelada a existência daquela que pode ser a pintura mais antiga ainda existente. Trata-se da representação de um porco nas paredes de uma caverna da Ilha Sulawesi, na Indonésia. Arqueólogos afirmam que ela foi produzida há cerca de 45 mil anos. Essa datação é polêmica, mas ao se confirmar, essa será a representação mais antiga produzida pelos humanos modernos.
Essa pintura e vários outros resquícios arqueológicos demonstram que o Homo sapiens se difere muito de seus ancestrais no desenvolvimento de um pensamento estético.
No campo da pintura rupestre, houve alguns traços, manchas e até figuras geométricas registrados por outros hominídeos, mas nada se compara à pintura dos Homo sapiens.
Da mesma forma, há sepulturas entre os hominídeos anteriores, mas com os humanos modernos pode-se observar um maior cuidado e o frequente depósito de objetos de uso pessoal ou adornos junto aos corpos. Isso reflete alguma preocupação com o transcendental.
No âmbito dos instrumentos de caça, o Homo sapiens faz largo uso de armas de arremesso. No entanto, ele não se limita às lanças e inova com o lançador de dardos atlatl há cerca de 30 mil anos.
Mas há algo ainda mais impressionante. O Homo sapiens é a primeira espécie hominídea que produz instrumentos musicais, como o comprovam flautas feitas de osso. É com nossa espécie, então, que nasce a música.
Isso tudo revela que esses grupos humanos já tinham a linguagem em um nível bastante desenvolvido. A linguagem era ao mesmo tempo o que proporcionava a organização social, que por sua vez faz a linguagem evoluir para padrões de formalidade cada vez mais estruturados.
Pode-se dizer, que nascia, há cerca de 35 mil anos, o humano moderno de forma bastante completa e muito próximo do que é hoje em dia.

Pintura rupestre de cavalos na caverna de Lascaux, França.
As Pinturas Rupestres de Lascaux e Altamira
É no campo da pintura rupestre que os homens do paleolítico superior mais se destacam. Há muitos sítios arqueológicos com registros impressionantes das artes desses primeiros artistas.
É claro que usamos a palavra artista aqui com grande liberdade. Não se sabe o motivo ou razão de se dedicarem a fazer tais pinturas em ambientes escuros e hostis como cavernas.
Chama a atenção ainda que muitas vezes as pinturas são sobrepostas umas às outras. Isso tudo talvez aponte para uma natureza ritual de produção dessas pinturas, em que mais importante talvez fosse o ato de produzi-las.
Essas pinturas, no entanto, revelam grande cuidado e senso estético. Há um claro desenvolvimento de técnicas, que vão desde o uso de mãos e dedos até mesmo possíveis pincéis de pelos de animais.
As cavernas de Lascaux, na França, e Altamira, na Espanha, reúnem aquele que talvez seja um dos mais impressionantes conjuntos de pinturas rupestres de todos os tempos. Muitas das imagens que vemos por aí que remetem à pintura rupestre são desses dois sítios arqueológicos.
Esses conjuntos de pinturas rupestres de Lascaux incluem grande número de representações de animais da época, como bisões, cavalos e bois. Essas pinturas revelam a importância que os animais tinham na sobrevivência daquelas pessoas.
O sítio arqueológico de Altamira foi descoberto em 1875, mas só começou a ser estudado no século XX.
O impacto que esse conjunto artístico gera é enorme. Inclusive, diz-se que Pablo Picasso ficou tão impressionado ao visitar o local que, ao sair de lá, teria exclamado: “Em 15 mil anos de história nós não inventamos nada!”
Lascaux, por sua vez, foi descoberto acidentalmente em 1940 e começou a ser estudado e visitado a partir de 1948. Trata-se de um conjunto impressionante pela qualidade das pinturas e variedades de animais representados.
Infelizmente, em ambos os casos, o volume de visitas ocasionou um aumento da umidade interna e proliferação de microorganismos daninhos às pinturas, de tal forma que as visitas foram proibidas. Tanto em Lascaux quanto em Altamira, porém, existem museus que apresentam reproduções exatas das cavernas para visitação.
E possível fazer um tour virtual ao conjunto artístico das cavernas no site do Projeto Lascaux cave, com muitas informações interessantes em inglês, francês, espanhol e alemão. Há ainda um vídeo da Unesco sobre Altamira.

Pintura rupestre de Bisão na Caverna de Altamira, Espanha.
Duração do Paleolítico Superior
É incrível pensar que nossa espécie surgiu em algum momento entre 195 mil e 160 mil anos atrás. Durante pelo menos 130 mil anos, nós vivemos dentro de uma estrutura social e tecnológica quase sem alteração e em grande medida herdada de nossos ancestrais hominídeos. Esse período está dentro do que se denomina paleolítico inferior.
Entre 45 mil e 30 mil anos atrás nossos ancestrais começaram a desenvolver tecnologias que refletiam seu novo patamar de reflexão sobre o universo. Esse período, o paleolítico superior, durou entre 35 e 20 mil anos, terminando por volta de 10 mil anos atrás.
Por que tanta diferença de duração entre um período e outro?
Isso se dá porque no processo de criação e inovação a parte mais difícil é o início. Uma tecnologia abre espaço para a próxima inovação e depois a outra e mais outra num efeito multiplicador. É claro que se trata de passar ao menos 20 mil anos na era da pedra lascada, mas é inegável que se começava, lentamente, a alterar o ritmo de inovação tecnológica e cultural do homem.
À medida que novas tecnologias foram surgindo, as próximas descobertas e desenvolvimentos se faziam de forma cada vez mais rápida. Hoje vivemos numa era de velocidade feérica do desenvolvimento tecnológico, mas não podemos perder de vista que ela é resultado de um processo de muitas dezenas de milhares de anos.
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