Bibliocanto Volume IX
- Ribas Carneiro
- 21 de mai. de 2023
- 6 min de leitura
Olá pessoal!
Este é um volume especial sobre Guido Viaro, um dos maiores nomes da pintura paranaense e brasileira.
Vejamos como ele próprio resumiu sua vida:
“Nasci nu como os outros, em terra longínqua muito pobre e bonita. Meus pais fizeram tudo por mim, não correspondi porém às esperanças deles. Às vezes tenho remorsos disso, já é tarde (não o pensem que o digo por cinismo), o que posso fazer agora? Nada. Com vinte anos, a política me pegou pelos cabelos e me empolgou a ponto de ser chutado logo depois – por quê? Por falta de equilíbrio, exorbitância de limites e outras coisas. Viajei um pouco, conheci homens de bem e maus sujeitos, sofri fome, que é penúltimo dos tormentos. Quase sempre fui mal interpretado, embora sendo franco e honesto. (...) Eu não sou um pintor nato, mas um artista em caminho.”

Autorretrato n. 4, 1934. Guido Viaro (1897-1971).
IMPORTÂNCIA DE GUIDO VIARO
Guido Viaro é um dos maiores nomes da pintura brasileira do século XX. Figura central no desenvolvimento artístico de mais de uma geração de pintores, definiu os rumos da pintura paranaense por décadas.
Ele nasceu na Itália em 1897 e só chegou ao Brasil com praticamente 30 anos, em 1927. Iniciou sua carreira artística na juventude, sob a influência de um tio escultor. Mas o ambiente limitado da aldeia e ainda os ventos do fascismo italiano o empurraram para experiências nos grandes centros artísticos de Veneza, Florença, Milão, Roma e Paris.
Adotou Curitiba como sua cidade a partir de 1929. Ali conviveria com as obras e a influência de Alfredo Andersen e Theodoro de Bona. Sua formação prévia, autodidata, artesanal, mas com diálogos profundos com as estéticas de vanguarda, fez com que essas influências desembocassem numa obra moderna dentro do ambiente cultural curitibano, que ainda vivia sob a influência dos paranistas e apenas esboçava uma reação ao academicismo.
Guido Viaro apontava para novos caminhos e foi junto de Poty Lazarotto, Dalton Trevisan e Erasmo Pilotto que viria a participar de um dos grandes momentos das artes paranaenses, consubstanciado na publicação da Revista Joaquim.
Essa obra coletiva foi considerada a entrada definitiva das artes paranaenses na esfera do modernismo. De fato, as discussões estéticas levadas a cabo pela revista tocam nos pontos mais melindrosos da época, como a validade do abstracionismo, a onda concretista e, num âmbito mais local, a validade da Arte Paranista, identificada como parte de um discurso nacionalista do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Guido Viaro, a partir da Revista Joaquim, estabeleceu algumas das diretrizes do que viria a ser a nova arte paranaense. Mas ao lado dessa ação panfletária, ele desenvolveu sua arte e ainda semeou o campo para a formação de uma nova geração de artistas.
Viaro exerceu, a partir de 1937, importante ação educacional em várias escolas de artes em Curitiba. Ele trabalhou por muitos anos na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, também na ação com as crianças, ensinando desenho no Colégio Iguaçu e pintura no Centro Juvenil de Artes Plásticas. Muitos artistas que viriam a definir a arte paranaense passaram por suas aulas, como Leonor Botteri, Calderari, Juarez Machado e Loio Pérsio.
Tratava-se de uma pessoa muito culta. O italiano era sua língua materna, dominava e o português de forma completa e ainda sabia francês. Manteve correspondência com alguns dos maiores artistas plásticos do Brasil em seu tempo, bem como intelectuais, professores e jornalistas.
Sua atenção estava voltada para as discussões artísticas de sua época. Foi assim que se manteve preparado para as grandes alterações estéticas do pós-guerra. Além disso, esteve envolvido nas acaloradas discussões da arte paranaense a partir dos anos 1950. Tudo isso se traduziu em experimentalismos e na incorporação de elementos novos em sua pintura, chegando até ao abstracionismo.
Guido Viaro se tornou, ao longo do tempo, um dos artistas mais influentes do Paraná. Essa influência ultrapassou os limites da estética e o reconhecimento publico dele em relação a uma obra ou jovem artista acabava por determinar de certa forma a carreira do indivíduo.

Deposição, 1956. Guido Viaro (1897-1971).
TRAJETÓRIA ARTÍSTICA
O autodidatismo é a marca central na estética de Viaro. Isso fez com que ele se mantivesse distante do academicismo; no entanto, sua sensibilidade e fina inteligência permitiram-lhe aprender as técnicas e reconhecer o valor das vanguardas.
Viaro era, antes de mais nada, habilidoso artesão, com conhecimento prático e grande talento, algo que se revela em sua pintura.
Sua obra é difícil de classificar, pois ele assimilou várias influências em sua longa trajetória, inclusive com fases de experimentalismos. Apesar disso, muitos críticos vêm-no como predominantemente expressionista.
O termo é fluido; há o expressionismo alemão, entendido por alguns como o único que merece essa denominação, mas há também vários outros expressionismos. De modo geral, pode-se entender o expressionismo como uma expressão do eu (da subjetividade) em relação ao mundo, permitindo-se uma determinada liberdade de criação que se opõe ao realismo e ao naturalismo.
Em outras palavras, no expressionismo, o artista não se propõe a retratar o mundo de forma objetiva ou fazer uma mímica da natureza, mas recriar os objetos de forma livre, instintiva. Para isso recorre muitas vezes à dramaticidade e exaltação. É claro que o expressionismo, percebido de forma ampla, pode seguir vários caminhos, desde o primitivismo até os limites da abstração.
Guido Viaro, porém, manteve-se distante das discussões acadêmicas, ele sofreu, sim, influências, e talvez o expressionismo, muito forte nas primeiras décadas do século XX, tenha sido fundamental em sua formação. Mas sua obra não revela apenas expressionismo. Há nela primitivismo, talvez influência de seu trabalho com as crianças. Também há alegria, algo bem diferente do expressionismo alemão, por exemplo. Há ainda forte simpatia pelos excluídos da sociedade, numa temática realista. Enfim, suas nuances são muitas.
Em termos técnicos, sua pintura evoluiu até à valorização dos espaços em branco, que ele reconhecia que não eram vazios, mas zonas de transição e de destaque para as cores.
Sua obra abrange a pintura, a escultura, a gravura e o desenho. Em relação à pintura é difícil escolher apenas algumas poucas obras como representativas. De modo geral, a crítica, talvez por razões didáticas, considera como seus momentos mais elevados quadros como Polaca (1935), Homem sem rumo (1940) e Adão e Eva no paraíso (1960).

Polaca, 1935. Guido Viaro (1897-1971)
A luminosidade se combina com o fundo de cores quentes e faz destacar o azul profundo dos olhos. Há aqui sensualidade e um sentido mais elevado, talvez etéreo. Como afirma Maria José Justino:
“É uma pintura quase de manchas, que o aproxima tanto dos impressionistas como dos machiaiolli, mas nela a expressão se afirma de maneira forte, as pinceladas nervosas captam o essencial. É uma pintura que estrutura as massas, onde o contorno não é coadjuvante, mas nervura da obra. Incrível como a leveza dessa pintura expressa a espiritualidade da jovem. É como se Viaro tivesse pintado essa obra num só impulso, e trouxesse o infinito de um só golpe. Nada falta e nada sobra.”

Homem sem rumo, 1940. Guido Viaro (1897-1971)
Viaro conseguiu, nesse retrato, sintetizar muito da psiquê do grande artista Miguel Bakun, um homem profundamente angustiado. A composição é muito expressiva, como diz Maria José Justino:
“Nessa pintura há mesmo um certo contraste entre figura e fundo. Um homem triste e sensível se vê no meio de uma cidade deserta, de formas geométricas, de concreto. É como se os gestos não encontrassem amparo, estivessem contidos, detidos.”

Adão e Eva no Paraíso, 1960. Guido Viaro (1897-1971)
Essa é uma interpretação do tema bíblico, sem a presença do pecado, da culpa, da condenação ou do castigo. Talvez seja o momento imediatamente anterior à queda. As pinceladas revelam algo de primitivismo, mas com muito equilíbrio nas cores. De acordo com Justino:
“As pinceladas são de uma liberdade provocativa, uma estrutura viva e orgânica. É um dos momento felizes de Guido Viaro. Aqui o sagrado é o profano e vice-versa, e a alma da natureza é toda ela surpreendida nas sensações. Mesmo com toda essa liberdade gestual, a construção não o abandona: agora ela acontece solta, livre e bem estruturada.”
MACCHIAIOLI
Na segunda metade do século XIX, surgiu na região da Toscana, na Itália, um movimento antiacademicista de pintores que se autodenominaram macchiaioli, termo que vem de macchi, literalmente, manchas.
Opunham-se aos conceitos das academias italianas da época, que consideravam antiquados, e propunham a pintura em ambientes abertos, com os artistas indo até os lugares que queriam retratar, capturando as luzes, as sombras e as cores.
Essas práticas fizeram com que eles fossem confundidos, por algum tempo, com os expressionistas franceses, mas, apesar de algumas semelhanças, seus propósitos eram diferentes.
Na época, a palavra macchi era usada para se referir à técnica de criar brilhos nos objetos retratados com pequenos pontos de luz. Apesar de terem avançado nessa técnica, os macchiaioli não foram tão longe quanto os jovens franceses do expressionismo na busca pelos efeitos de luz.
Em termos práticos, esse grupo foi ridicularizado e hostilizado. Quase todos os artistas dessa corrente foram ignorados em seu tempo. Apenas no início do século XX vieram a ser reconhecidos e valorizados. Mesmo assim, continuam mais conhecidos apenas dentro da Itália.

Via Torta, Firenze (c. 1870). Telemaco Signorini (1835-1901)
QUESTÃO DA SEMANA
Semana passada perguntei se você aprova o uso de links para áudios e vídeos nos Bibliocantos.
Não houve respostas, mas imagino que parte dos leitores detesta navegar pelos links e outra gosta tanto que pode acabar navegando dentro do Youtube e largando a leitura.
Vou buscar um meio termo, uma forma de publicar uma música, por exemplo, mas sem as distrações de uma rede social.
Dessa forma, talvez eu volte com links.
QUESTÃO PARA A SEMANA
Nesse Bibliocanto falamos exclusivamente de pintura. Por isso nada mais justo que perguntar aos estimados leitores qual é seu quadro ou pintor favorito.
Indique lá, depois eu comento por aqui.
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